O chefe da Renault dedicou-se recentemente a uma análise mais detalhada da situação, realizando uma excursão de nove dias pelas fábricas chinesas, testando veículos e interagindo com algumas das figuras mais influentes do setor. Ele retornou profundamente impressionado, com a percepção de que, em certos aspectos, o Grupo Renault poderia potencialmente expandir seus negócios com a China ao invés de reduzi-los.
“Ao observar a evolução dos automóveis europeus, especialmente se você for um entusiasta do setor, percebe-se rapidamente que, a partir da década de 1930, houve muitas inovações surpreendentes no design automóvel, com várias criações pouco convencionais e lampejos de genialidade,” comenta De Meo. “Recentemente, nos tornamos mais previsíveis, sem muito espaço para genialidades. Nossos carros são projetados principalmente para oferecer segurança e conforto aos clientes.”
“Na China, há um clima de criatividade excepcional. Alguns veículos são insignificantes, mas outros são verdadeiramente notáveis. Conheci um empresário que acabara de desenvolver seu primeiro automóvel, um competidor direto do Porsche Taycan. Ele admitiu que iniciou o projeto sem qualquer paixão inicial por carros; sua empresa anteriormente fabricava telefones celulares. No entanto, ele testou mais de 70 carros para aperfeiçoar seu produto. Eu o testei e não consegui identificar nenhum defeito. Ele estava se preparando para comercializá-lo por € 35.000! O que você diria a alguém assim? Dizer para ele não vender? Claro que não. Eu disse ‘bem feito’, ou ‘chapeau’, como dizem os franceses.”
De Meo evita minimizar os feitos chineses, mesmo que o sistema deles e o envolvimento governamental sejam diferentes.
“Eles têm suas vantagens,” admite ele, “e não possuem todas as obrigações que nós temos. Porém, não quero discutir subsídios – essa não é minha preferência. Eles operam em um sistema que eu descreveria como ‘darwinismo administrativo’. As instituições financeiras e o governo assumem riscos financeiros, enquanto as empresas enfrentam riscos comerciais.
Para participar, as startups precisam enfrentar uma concorrência feroz, competindo com dezenas de outras empresas como se estivessem em uma piscina infestada de piranhas. Das 20 empresas iniciais, as autoridades esperam que apenas cinco sobrevivam, e a competição é brutal. A maioria não sobreviverá, mas durante o processo, há muito progresso tecnológico.”
Então, como De Meo acredita que a expansão chinesa pode ser contrariada? A essência parece ser parar de reclamar e trabalhar mais arduamente, embora ele seja diplomático demais para ser tão direto. O primeiro passo é claro, em sua opinião: os europeus devem observar atentamente como os chineses trabalham, arregaçar as mangas e adotar abordagens semelhantes.
Esta análise do progresso chinês no setor automotivo não é apenas uma observação superficial. Ela reflete um mergulho profundo na cultura e na indústria chinesa, onde a inovação e o trabalho árduo são recompensados sob um sistema de alta competitividade. O sistema descrito por De Meo, onde as startups enfrentam uma espécie de “darwinismo administrativo”, cria um ambiente onde apenas as mais fortes e inovadoras sobrevivem, impulsionando o progresso tecnológico de maneira impressionante.
Este fenômeno não é exclusivo do setor automobilístico. Em muitas áreas da tecnologia e manufatura, a China tem demonstrado uma capacidade notável de inovação e adaptação. Empresas chinesas têm usado suas vantagens para produzir produtos altamente competitivos a preços que podem desafiar seriamente os fabricantes ocidentais. A abordagem chinesa de arriscar em novos empreendimentos e aceitar um alto grau de concorrência interna parece estar dando frutos significativos.
De Meo destaca que, enquanto os europeus tradicionalmente buscam segurança e previsibilidade em seus designs e estratégias de mercado, os chineses estão abraçando a inovação e a aceitação de riscos. Esta diferença fundamental na abordagem pode ser uma das razões pelas quais as empresas chinesas estão emergindo como concorrentes formidáveis no mercado global.
A Renault e outras empresas europeias têm a oportunidade de aprender com esse modelo. Ao observar como as empresas chinesas operam e adotar algumas de suas estratégias, podem identificar novas maneiras de inovar e melhorar suas próprias práticas de negócios. Neste contexto, a colaboração e o intercâmbio de conhecimentos entre o Oriente e o Ocidente podem ser extremamente benéficos.
De Meo não está sugerindo uma adoção cega do modelo chinês, mas sim uma adaptação das melhores práticas observadas. Isso pode incluir uma maior aceitação de riscos, mais experimentação em design de produtos e uma disposição para competir ferozmente no mercado. Também envolve uma revisão das interações com investidores e governos para melhor apoiar a inovação e o crescimento estrutural.
O que isso significa para a indústria automotiva europeia é que há uma necessidade premente de evoluir. As empresas precisam ser mais ágeis, mais inovadoras e mais dispostas a assumir riscos calculados. Precisam olhar além das práticas tradicionais e impulsionar suas capacidades criativas e tecnológicas. Esta não é uma tarefa fácil, mas com a abordagem e mentalidade correta, é possível competirem de igual para igual com os novos gigantes da indústria.
Além disso, a colaboração internacional pode desafiar empresas europeias a saírem de suas zonas de conforto e buscar novas oportunidades de crescimento. O movimento para colaborar mais estreitamente com a China pode abrir portas para inovações conjuntas e novas perspectivas de mercado. Não se trata apenas de competir, mas também de aprender e crescer juntos.
Observando de um ângulo mais amplo, a evolução contínua da tecnologia e dos mercados globais significa que todas as indústrias devem se manter dinâmicas e abertas à mudança. A globalização e o avanço tecnológico não mostram sinais de desaceleração, e as empresas que sobreviverão e prosperarão serão aquelas que podem acompanhar essas mudanças rápidas. No caso da Renault, e potencialmente de toda a indústria automotiva europeia, a inclusão de práticas chinesas bem-sucedidas pode ser um passo significativo na direção certa.
Por fim, o relato de De Meo após sua visita à China serve como um chamado à ação. As empresas europeias têm muito a ganhar observando e, onde possível, adotando algumas das práticas que têm permitido às empresas chinesas alcançar sucesso notável. O desafio é grande, mas com visão e esforço, é igualmente uma oportunidade significativa de crescimento e inovação.