Câmara dos Deputados mantém mandato de Zambelli e cria crise com o STF

Câmara dos Deputados mantém mandato de Zambelli e cria crise com o STF

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Plenário rejeita cassação de Carla Zambelli mesmo após determinação do STF, gerando tensão entre Legislativo e Judiciário.

A Câmara dos Deputados aprovou na madrugada desta quinta-feira (11) a manutenção do mandato da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), contrariando uma determinação expressa do Supremo Tribunal Federal (STF) para que o cargo fosse declarado vago após sua condenação criminal em duas ações penais pela Corte. A decisão abriu um novo capítulo de confronto entre os Poderes e reacendeu debates sobre legalidade e os limites da atuação do Legislativo frente às ordens judiciais.

Zambelli, que está presa na Itália desde julho, havia sido condenada pelo STF a mais de 15 anos de prisão e teve a perda do mandato decretada em função de envolvimento em uma invasão ao sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), atribuída a ela junto com o hacker Walter Delgatti Neto. A determinação judicial previa que a perda do mandato ocorresse de forma automática ou imediata, sem necessidade de deliberação parlamentar – entendimento que tem base em jurisprudência consolidada da Corte em casos semelhantes.

No entanto, ao colocar o tema em votação em plenário, os deputados não alcançaram os 257 votos necessários para confirmar a cassação de Zambelli: foram 227 votos a favor da perda do mandato e 170 contrários. Com isso, ela permanece oficialmente como deputada federal.

Carla Zambelli

A decisão da Câmara e o argumento dos parlamentares

A votação que manteve Zambelli no cargo representa uma afronta prática ao comando judicial. Pelo entendimento do STF, decisões de condenação criminal com pena privativa de liberdade superior a quatro anos, transitadas em julgado, implicam na perda automática do mandato eletivo, especialmente quando o sentenciado não pode mais exercer as funções legislativas por estar preso.

Deputados que votaram contra a cassação argumentaram que a Câmara teria autonomia para reavaliar aspectos do caso ou questionar aspectos técnicos da decisão judicial, baseando-se na ideia de que a Casa Legislativa teria o “critério político” de confirmar ou não a perda do mandato. Essa linha de defesa foi criticada por partidos de oposição, que afirmaram que a votação serviu apenas para “dar sobrevida política” a uma parlamentar condenada e incapaz de exercer seu mandato.

O processo foi marcado por um plenário considerado esvaziado e destacou divisões internas sobre se o Congresso deveria simplesmente cumprir a ordem do STF ou discutir politicamente a cassação.

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O STF vê a decisão como “inaceitável”

Após o resultado favorável a Zambelli, ministros do STF reagiram de forma dura à postura da Câmara. Em declarações reservadas a jornalistas, integrantes da Corte qualificaram a decisão como “inaceitável” e uma tentativa explícita de desmoralizar o Judiciário, por caracterizar o descumprimento direto de uma ordem judicial vinculante.

Magistrados avaliam que a decisão pode abrir precedentes perigosos para o estado democrático de direito, caso o Congresso passe a deliberar livremente sobre o cumprimento ou não de ordens judiciais que envolvam perda de mandato em função de condenações criminais. Eles estudam possíveis novas medidas a serem adotadas pelo Supremo para fazer cumprir a Constituição e a lei, embora ainda não exista definição pública sobre o movimento exato que será tomado.

Fundamentos legais em jogo

A Constituição Federal estabelece que a perda de mandato legislativo pode ocorrer em determinadas hipóteses, como condenação penal com sentença transitada em julgado e pena que impeça o exercício normal do mandato. Esse entendimento já foi reafirmado em decisões anteriores do STF, como no caso do ex-deputado Daniel Silveira, em que a Corte determinou a perda de mandato diante de uma condenação com pena superior ao restante do mandato.

Contudo, a controvérsia agora gira em torno do papel do Legislativo: se deve simplesmente aplicar ou deliberar sobre ordem judicial sem questionamentos, ou se tem margem para análises próprias sobre a situação de cada parlamentar — algo que, para juristas críticos da decisão da Câmara, estaria em desacordo com a melhor interpretação constitucional.

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Consequências políticas e institucionais

A manutenção de Carla Zambelli no cargo, apesar de sua condenação e prisão, deve produzir efeitos políticos e jurídicos duradouros no ambiente institucional brasileiro. Por um lado, fortalece a percepção de que a Câmara dos Deputados pode atuar de forma independente — até mesmo em choque com decisões de outros poderes. Por outro, tensiona profundamente o pacto constitucional de separação de poderes, podendo desencadear ações judiciais adicionais, incluindo mandados de segurança e intervenções do Judiciário para obrigar o Parlamento a cumprir determinações judiciais.

A oposição já sinalizou que deve recorrer ao Supremo para questionar a constitucionalidade da decisão da Casa e exigir o cumprimento da ordem de cassação. Já setores da base governista interpretam a votação como uma reafirmação da soberania da vontade popular, apontando que decisões judiciais não podem automaticamente substituir a deliberação do plenário.

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