Justiça de São Paulo Reconhece o Stealthing como Violação Grave
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Uma decisão recente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) reacendeu debates importantes sobre autonomia, saúde reprodutiva e a responsabilidade do Estado em proteger mulheres em situações de vulnerabilidade. A juíza Luiza Barros Rozas Verotti determinou que o Centro de Referência da Saúde da Mulher deve realizar procedimentos de interrupção legal da gravidez em casos de gestações resultantes do chamado “stealthing” — prática em que o preservativo é removido sem o conhecimento ou consentimento da parceira.
O que é stealthing e por que preocupa a Justiça
O termo stealthing descreve o ato de retirar intencionalmente o preservativo durante a relação, sem avisar a outra pessoa. Apesar de parecer sutil, esse comportamento é enquadrado como grave violação de consentimento e pode gerar consequências físicas e emocionais significativas.
No Brasil, atos praticados sob fraude, engano ou qualquer impedimento à livre manifestação de vontade são tipificados pelo Código Penal desde 2009, com penas que variam entre 2 a 6 anos de reclusão. Embora o termo stealthing seja recente, a prática é antiga — e só agora vem sendo compreendida como uma violação clara da integridade física e psicológica da vítima.
Consequências reais para as mulheres
A decisão judicial vai além da aplicação da lei e reconhece as implicações humanas dessa prática:
- Risco de doenças: A retirada do preservativo expõe a pessoa a infecções sexualmente transmissíveis, incluindo HIV, sífilis e HPV.
- Gravidez indesejada: Muitas mulheres descobrem que foram vítimas apenas ao se deparar com o resultado positivo do exame.
- Abalo emocional: O sentimento de violação pode desencadear crises de ansiedade, depressão e traumas prolongados.
Para a juíza Luiza Rozas Verotti, impedir o acesso ao aborto legal nesse contexto seria ignorar o sofrimento físico e psíquico gerado por uma relação marcada pela quebra de confiança e violação da vontade da mulher.
A decisão judicial e seu impacto
A liminar expedida pelo TJ-SP obriga o Centro de Referência da Saúde da Mulher a oferecer acesso a aborto legal nos casos em que a gravidez foi resultado de stealthing. A magistrada também destacou a falha estrutural de unidades de saúde que se recusam a realizar o procedimento, o que agrava o sofrimento das mulheres e expõe falhas graves na política de acolhimento.
A ação foi movida por integrantes da Bancada Feminista do PSOL na Câmara Municipal e na Assembleia Legislativa. Mesmo em caráter provisório, a liminar abre precedente para outras iniciativas similares no país.
O que diz a legislação brasileira sobre aborto legal
Atualmente, a interrupção da gravidez é legalizada em três situações no Brasil:
- Quando há risco à vida da gestante;
- Em casos de diagnóstico de anencefalia fetal;
- Quando a gestação decorre de violência.
A decisão da juíza de São Paulo se baseia nesse último ponto, ao considerar o stealthing uma violação de consentimento comparável à violência. O reconhecimento reforça a visão de que o consentimento informado deve estar presente em toda a relação, e não apenas no início dela.
Reações e posicionamentos
A Secretaria de Estado da Saúde informou que ainda não havia sido notificada oficialmente, mas que, ao receber a intimação, cumprirá todos os termos legais. A pasta reforçou que o procedimento será oferecido por unidades públicas autorizadas e que a mulher deverá apresentar documento com foto.
Enquanto isso, movimentos sociais e organizações civis celebraram a decisão como um marco no reconhecimento da dignidade e autonomia feminina. Para ativistas, o julgamento é mais um passo na construção de uma cultura que respeita a mulher como sujeito de direitos.
Um avanço, mas o caminho ainda é longo
Embora a liminar represente um avanço, especialistas apontam que o Brasil ainda enfrenta resistências profundas quando o assunto é saúde reprodutiva. Fatores como desinformação, estigmatização e omissão do poder público contribuem para o sofrimento silencioso de muitas mulheres.
O caso evidencia a importância de políticas públicas claras, amparadas por dados e compromissos éticos, para garantir que nenhuma mulher seja forçada a seguir com uma gravidez que resultou de uma quebra de confiança e da ausência de consentimento real.
Conclusão: uma vitória pelo reconhecimento da autonomia
A decisão do TJ-SP acende uma luz sobre um tema ainda pouco discutido, mas de enorme relevância para a saúde pública e os direitos das mulheres. Ao reconhecer o stealthing como violação grave, a Justiça brasileira dá um passo firme rumo à construção de uma sociedade mais justa, onde o respeito ao corpo e às decisões femininas não sejam negociáveis.
A proteção ao consentimento é uma base fundamental da convivência social, e casos como este devem continuar sendo tratados com a seriedade que merecem.
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