Taxa mínima no delivery pode encarecer comida e reduzir pedidos no Brasil
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Proposta de Boulos para regulamentar delivery prevê taxa mínima e pode elevar preços, reduzir pedidos e afetar entregadores e pequenos restaurantes.
O debate sobre a regulamentação dos aplicativos de delivery voltou ao centro da política nacional após o governo Lula colocar nas mãos de Guilherme Boulos, atual secretário-geral da Presidência, a missão de retomar uma proposta antiga: estabelecer valores mínimos obrigatórios para entregas feitas por plataformas como iFood, Uber Eats e Rappi. O tema promete gerar forte impacto econômico e social, envolvendo diretamente consumidores, entregadores e pequenos restaurantes espalhados pelo país.
A proposta reapresentada é praticamente a mesma que Boulos defendia quando atuava como deputado federal. O texto prevê uma taxa mínima de R$ 10 por entrega, acrescida de R$ 2,50 por quilômetro rodado. Na prática, isso significa uma padronização dos valores pagos aos entregadores, independentemente do tipo de pedido, do valor do lanche ou da dinâmica local de cada cidade.

Embora a iniciativa seja apresentada como uma tentativa de garantir renda mínima aos trabalhadores de aplicativos, os efeitos colaterais preocupam o setor e especialistas em economia.
Impacto direto no bolso do consumidor
Um estudo interno divulgado pelo iFood aponta que a adoção da taxa mínima proposta poderia aumentar em até 22% o preço final de lanches e marmitas. Esse reajuste ocorreria porque os restaurantes, pressionados pelos custos mais altos de entrega, tenderiam a repassar o aumento ao consumidor.
Além disso, a empresa projeta uma queda de cerca de 40% no volume de pedidos, especialmente nos pedidos de menor valor. Isso atingiria em cheio consumidores de baixa renda, que usam o delivery como alternativa acessível para refeições do dia a dia, principalmente em regiões periféricas onde o custo de deslocamento até restaurantes é maior.
Pedidos simples como marmitas populares, salgados ou refeições individuais — seriam os mais prejudicados, pois o valor da entrega passaria a representar uma parcela muito maior do preço total.
Pequenos restaurantes na linha de frente
Outro ponto crítico da proposta é o impacto sobre pequenos restaurantes, especialmente aqueles localizados nas periferias e que dependem fortemente dos aplicativos para sobreviver. Esses estabelecimentos operam com margens reduzidas e usam o delivery como principal canal de vendas.
Com menos pedidos e custos mais elevados, muitos desses negócios podem enfrentar queda brusca no faturamento. Para parte deles, a alternativa seria sair das plataformas ou fechar as portas, reduzindo a oferta de opções e a concorrência local.
Donos de pequenos estabelecimentos afirmam que o modelo atual, apesar de imperfeito, permite adaptar preços, promoções e estratégias conforme a realidade do bairro e do público atendido. A imposição de uma tabela fixa, segundo eles, retira flexibilidade e aumenta o risco financeiro.

O que pensam os entregadores
Um dos principais argumentos usados para defender a regulamentação é a melhoria das condições de trabalho dos entregadores. No entanto, dados recentes indicam que a maior parte desses trabalhadores não apoia mudanças desse tipo.
Uma pesquisa Datafolha revelou que 75% dos entregadores preferem manter o modelo atual de trabalho, com flexibilidade de horários, ausência de vínculo empregatício obrigatório e liberdade para decidir quando e quanto trabalhar. Muitos afirmam que o modelo fixo pode reduzir a quantidade de pedidos disponíveis, diminuindo a renda total ao longo do dia.
Na prática, menos pedidos significam menos entregas e, consequentemente, menos ganhos, mesmo com tarifas mais altas por corrida. Parte dos entregadores teme que o efeito final seja justamente o oposto do pretendido: menos trabalho disponível.
Um dilema entre proteção e mercado
A proposta expõe um dilema clássico das políticas públicas modernas: como garantir proteção social sem destruir o modelo econômico que sustenta o setor. O delivery por aplicativo cresceu rapidamente no Brasil justamente por combinar preços acessíveis, conveniência ao consumidor e flexibilidade para restaurantes e entregadores.
Críticos da medida afirmam que a proposta ignora as dinâmicas regionais e cria um modelo engessado, que pode funcionar em grandes centros, mas falhar em cidades médias e bairros periféricos. Já defensores argumentam que algum tipo de regulação é necessária para evitar a precarização do trabalho.
O desafio do governo será encontrar um equilíbrio que não resulte em aumento expressivo de preços, queda de pedidos e exclusão de pequenos negócios do mercado.
Com o governo Lula apoiando a retomada da proposta e Guilherme Boulos à frente da articulação, o tema promete avançar no debate público e no Congresso. Ainda assim, a resistência de entregadores, empresas e pequenos comerciantes indica que o texto dificilmente passará sem ajustes.
O que está em jogo vai além das plataformas de delivery: trata-se de definir até que ponto o Estado deve intervir em modelos de trabalho flexíveis que já fazem parte da rotina de milhões de brasileiros. O resultado desse debate poderá redefinir o futuro do delivery no Brasil e o preço da comida que chega à mesa dos consumidores.
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