Descrever Tom Ripley como um vigarista reduz esse personagem complexo e multifacetado a uma espécie de caricatura unidimensional. A criação mais prolífica de Patricia Highsmith (a personagem aparece em cinco de seus romances, escritos ao longo de 37 anos) é mais parecida com um fantasma. É um amante do luxo que desliza, de forma um tanto obscura e sedutora, pelos lugares mais elegantes do planeta. Ele adquire identidades e riquezas e acumula uma longa lista de vítimas durante suas viagens. Para muitos, ele sempre terá a cara de Matt Damon, que o interpretou em O talentoso Sr. Ripley, a glamorosa adaptação de 1999 do primeiro romance de Highsmith em que o personagem aparece. E é provavelmente isso que prejudica a nova versão do Netflix.
Já disponível no serviço de transmissão, Ripley, uma minissérie de oito episódios, é bastante divertida. As falésias da costa de Amalfi e as ruas estreitas de Capri são retratadas com primor, e a fotografia em preto e branco torna impossível ignorar o quão cara a produção parece ter sido. A duração dos episódios também não incomoda, sendo que um deles termina aos 74 minutos. Uma cena chave, por exemplo, que nos mostra um assassinato e a limpeza frenética que se segue, estende-se por 20 minutos agonizantes e tensos.
O que falha em Ripley é Andrew Scott, seu protagonista. Scott costuma ser um ator muito bom, mas neste caso ele não consegue se encaixar no personagem. Highsmith descreve Ripley como um alpinista social com uma impassibilidade desconcertante. Ele tem um ar charmoso e sincero; Isto é, quando ele não está batendo em alguém com o remo de um barco. Scott, por outro lado, o interpreta como uma pessoa abertamente macabra, um sociopata que caminha ameaçadoramente pelos salões de baile da alta sociedade. Vestido com jaqueta de couro e cabelo com gel, ele mais parece o dono de um clube de strip do que um intruso entrando no mundo íntimo da sociedade aristocrática. Você nunca se acostuma com isso.
A história começa em 1961, quando vemos Ripley nas ruas de Manhattan realizando pequenos golpes para sobreviver. De repente, ele recebe uma missão tentadora: viajar para a Itália sob o patrocínio de um magnata da navegação para cair nas boas graças de seu filho, Dickie Greenleaf (interpretado por Johnny Flynn), com o objetivo de encorajá-lo a retornar aos negócios da família e abandonar sua vida de esplendor na Europa. Ripley conheceu Dickie na faculdade através de amigos (ou pelo menos é o que ela afirma) e aceita a mensagem com prazer. Uma vez na Itália, ela conhece Dickie e sua inquieta esposa Marge (Dakota Fanning), usando seus encantos para entrar em seu mundo de lazer, recreação e repressão sexual latente.
A história se desenvolve a partir deste ponto, respeitando estritamente as reviravoltas do romance de Highsmith. O sotaque americano de Flynn é um pouco confuso, mas ele consegue evocar uma versão bastante simpática de Dickie. Fanning exala força, sempre lançando olhares frios e parece desconfiar de todos ao seu redor. Porém, é impossível não fazer a comparação com o filme de 1999, principalmente no que diz respeito ao elenco. Afinal, foi um dos melhores conjuntos de atuação dos anos 90. Jude Law estava no auge de sua reputação de ator de rosto bonito, enquanto Gwyneth Paltrow transmitia uma tristeza intrigante. A diferença mais notável é que Freddie Miles, o rival brincalhão de Ripley, na série é interpretado de maneira rígida e monótona por Eliot Sumner. Pelo contrário, em 1999, Philip Seymour Hoffman deu vida ao personagem com grande extravagância e confiança.
Porém, Ripley está longe de ser um fracasso total, principalmente porque se baseia num texto tão convincente. Definitivamente seria necessária muita incompetência para arruiná-lo. A verdade é que está ofuscado pelo fantasma das excelentes adaptações anteriores, com as quais é impossível não compará-lo. Principalmente porque neste momento, no carrossel da Netflix, o filme de 1999 está sendo promovido ao lado da versão de Andrew Scott. Quem teve essa ideia?
‘Ripley’ já está disponível na Netflix
Tradução de Sara Pignatiello