A Cimeira do Grupo dos 20, organizada pela Índia no início deste mês, não poderia ter corrido melhor para o primeiro-ministro Narendra Modi. A sua promessa de tornar a União Africana um membro permanente tornou-se realidade. E sob a sua liderança, o grupo fragmentado assinou uma declaração final. Foi visto como um triunfo da política externa para Modi e deu o tom para a Índia como uma grande potência emergente.
Esperava-se que o ministro das Relações Exteriores, Subrahmanyam Jaishankar, aproveitasse o auge geopolítico da Índia em seu discurso nas Nações Unidas na terça-feira. Mas as circunstâncias mudaram – de forma bastante abrupta – e a Índia chega ao pódio da Assembleia Geral com uma confusão diplomática nas mãos.
Na segunda-feira, o líder canadiano Justin Trudeau fez uma afirmação chocante: a Índia pode ter estado envolvida no assassinato de um cidadão sikh canadiano num subúrbio de Vancouver, em Junho.
Trudeau disse que havia “alegações credíveis” de ligações com Nova Deli, que a Índia rejeitou furiosamente como absurdas. Tem sido uma queda livre desde então: cada um expulsou um diplomata, a Índia suspendeu vistos para canadenses e Ottawa disse que pode reduzir o pessoal do consulado por questões de segurança. Os laços entre os dois países, outrora próximos, atingiram o ponto mais baixo em anos.
“No imediato, isto trará Nova Deli de volta à Terra. Tem uma crise que precisa de resolver, rápida mas cuidadosamente”, disse Michael Kugelman, diretor do Instituto do Sul da Ásia do Wilson Center.
As tensões já estavam fervendo
No último dia da cimeira do G20, Trudeau posou e sorriu com Modi enquanto os líderes mundiais prestavam homenagens no memorial de Mahatma Gandhi. Nos bastidores, porém, as tensões eram altas.
Trudeau faltou a um jantar oficial oferecido pelo presidente indiano, e a mídia local informou que ele foi desprezado por Modi quando conseguiu um rápido “afastamento” em vez de uma reunião bilateral. Para piorar as coisas, um problema no voo o deixou preso em Nova Delhi por 36 horas. Finalmente de volta ao Canadá, Trudeau disse que levantou as acusações com Modi no G20.
Enquanto a Índia se dirige às Nações Unidas, as alegações “jogaram água fria sobre as conquistas da Índia no G20”, disse Happymon Jacob, fundador do Conselho de Pesquisa Estratégica e de Defesa, com sede em Nova Deli.
A Índia há muito busca maior reconhecimento nas Nações Unidas. Durante décadas, o país almejou um assento permanente no Conselho de Segurança, uma das mesas altas mais prestigiadas do mundo. Mas também tem criticado o fórum global, em parte porque quer mais representação que esteja em linha com o seu crescente poder brando.
“O Conselho de Segurança da ONU, que é o núcleo do sistema das Nações Unidas, é uma foto de família dos vencedores da Segunda Guerra Mundial mais a China”, disse Jacob. A Índia acredita que “simplesmente não reflecte as realidades demográficas, económicas e geopolíticas de hoje”, acrescentou. Outros membros do grupo de elite incluem França, Rússia, Grã-Bretanha e Estados Unidos.
Em Abril, Jaishankar disse que a Índia, o país mais populoso do mundo e com a economia que mais cresce entre as principais nações, não poderia ser ignorada por muito tempo. O Conselho de Segurança da ONU, disse ele, “será obrigado a fornecer membros permanentes”.
Os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a Rússia, aliada da Índia na época da Guerra Fria, manifestaram apoio à sua adesão permanente ao longo dos anos. Mas a burocracia da ONU impediu a expansão do conselho. E mesmo que isso mude, a China – vizinha e rival regional da Índia – provavelmente bloquearia um pedido.
EM VEZ DA ONU, A ÍNDIA FAZ ALGUMAS EXECUÇÕES FINAIS
Mantido fora do órgão mais importante da ONU, Modi garantiu que o seu país ficasse bem no centro de uma teia emaranhada de política global. Por um lado, Nova Deli faz parte do Quad e do G20, vistos como grupos maioritariamente ocidentais. Por outro lado, quer expandir a sua influência nos BRICS e na Organização de Cooperação de Xangai, onde a Rússia e a China dominam.
O hábil malabarismo entre o Ocidente e o resto veio definir a política externa multipolar da Índia.
A sua influência diplomática só aumentou devido à sua relutância em condenar a Rússia pela sua guerra na Ucrânia, uma posição que ressoou entre muitos países em desenvolvimento que também têm sido neutros. E o Ocidente, que vê uma Índia ascendente como crucial para combater a China, intensificou os laços com Modi. Ao fazê-lo, ignora as preocupações de retrocesso democrático sob o seu governo.
No rescaldo imediato, a primeira reacção dos aliados ocidentais do Canadá – incluindo o seu maior, os Estados Unidos – foi morna. Mas à medida que a disputa se aprofunda, a questão que provavelmente preocupa as autoridades indianas é a seguinte: Será que o recente fiasco internacional comprometerá os seus crescentes laços com o Ocidente?
Após uma resposta inicial silenciosa, a Casa Branca intensificou as suas preocupações. “Não há isenção especial para ações como esta, independentemente do país”, disse o conselheiro de segurança Jake Sullivan. Na sexta-feira, o secretário de Estado, Antony Blinken, disse que os EUA estavam profundamente preocupados com as alegações e que “seria importante que a Índia trabalhasse com os canadianos nesta investigação”.
Embora não tenha havido provas públicas, um responsável canadiano disse à Associated Press que a alegação do envolvimento da Índia no assassinato de Hardeep Singh Nijjar, um separatista Sikh, se baseia na vigilância de diplomatas indianos no Canadá – incluindo informações fornecidas por um importante aliado. Na sexta-feira, o embaixador dos EUA no Canadá confirmou isto, dizendo que as informações partilhadas pela aliança de partilha de informações ‘Cinco Olhos’ ajudaram a ligar a Índia ao assassinato.
Nas Nações Unidas, onde realizou uma conferência de imprensa e reuniões, mas não falará em nome do seu país na terça-feira, Trudeau disse aos jornalistas que não quer causar problemas, mas disse que a sua decisão não foi tomada levianamente. O Canadá, disse ele, tinha de defender o Estado de direito e proteger os seus cidadãos.
Para Nova Deli, a reunião da ONU pode representar uma oportunidade possível. Diplomatas indianos e canadenses poderiam se reunir paralelamente para tentar reduzir as temperaturas com uma possível ajuda de Washington, disse Kugelman. O presidente da delegação do Canadá, Robert Rae, fará os comentários do país 10 pontos depois da Índia.
Jaishankar também poderia realizar reuniões presenciais com outros parceiros importantes para minimizar os danos. Desde que chegou, ele conversou com ministros da Austrália, Japão e Grã-Bretanha.
“Sejamos claros: não veremos líderes estrangeiros evitarem ou isolarem Jaishankar na Assembleia Geral da ONU”, disse Kugelman.
Mas também poderá levar a mais fogos de artifício se levarem a disputa ao pódio da ONU e à audiência global de líderes que ela tende a comandar. Em última análise, porém, a Índia “não quer que a disputa do Canadá seja um espetáculo secundário aqui, e especialmente que não seja um espetáculo que passe para o centro do palco”, disse Kugelman. “Isso desviaria a atenção das conquistas que espera divulgar numa das maiores plataformas globais do mundo.”
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